A misericórdia

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O jovem filósofo estava em prantos, ajoelhado ao pé da cama. Seus erros não cabiam em seu coração. Não suportava sua imperfeição. Por mais que tentasse, sempre caía no mesmo erro. Por mais que não quisesse, excedia-se e cedia à menor das tentações. Eram mil coisas acerca disso que mutilavam seu ânimo em pensamentos, e ele chorava.
Chorava aquele choro de angústia, sem lágrimas, pois não suportava mais a si mesmo. Da pobreza, por a simples oferta de um livro bom, esquecia, a obediência era sobrepujada quase sempre pela sua inquietude e impulsividade e, como se não bastasse, por pouco ou nada perdia aquilo que chamam castidade. Comparava-se sempre com os outros, com os santos, com Cristo, e se via demasiadamente distante. Não conseguia se aceitar. Até que, repentinamente, dentro de si, ouviu algo como que uma voz a dizer: “Meu filho, por que você está triste?” – Logo uma paz imensa invadiu o rapaz, mas não adiantou de muita coisa aquelas palavras, pois para ele, o dono daquela voz sabia muito bem o que estava acontecendo.
A voz, entretanto, insistia: “Meu filho, se eu sou infinito, minha misericórdia é infinita, se eu sou eterno, também é eterna a minha misericórdia”. – O garoto, atrevido como era, questionava, dentro de si, o que significava aquela misericórdia infinita, mas, ao mesmo tempo em que isto fazia, em seu coração vinha a resposta: “A misericórdia de Deus é infinita porque não tem limites. Por maior que seja o pecado, sobrepõe-no a sua misericórdia”. – Não bastasse a surpresa de estar compreendendo coisa tão grandiosa, aquele entendimento insistia: “Essa misericórdia também é infinita porque nunca se acaba, não tem início nem fim, e não tem nada que a supere ou destrua”.
Outra pessoa se daria por satisfeito, por tão grande honra recebida, mas aquele garoto era arrojado demais para isso. Acontece que indagou, interiormente: “E por que é eterna?” Simultaneamente, a resposta veio: “É eterna porque existe em si mesma, porque está para além do tempo e de qualquer coisa terrena e material. A misericórdia de Deus é. Deus tem misericórdia antes, durante e depois da desobediência; Deus tem misericórdia além da desobediência. Deus é misericordioso, e o objeto dessa misericórdia não é o pecado, mas o pecador, independente de quem seja e de qual seja o pecado. Por isso é eterna, porque ela é”.
Aquela paz, já invadida, plenificou-se. Aquele rapaz sabia, por tudo que já tinha vivido, que essa didática do amor, da paciência, do perdão, da misericórdia, era coisa que funcionava perfeitamente. Quando agia por amor, não por obrigação, nem por imposição, tudo funcionava sem maiores obstáculos, e era por isso mesmo que ele sentia tanta dificuldade em viver, porque ninguém era assim consigo. Mas, o que acabara mesmo de descobrir, é que existia alguém que era, que é e que sempre será, e aquilo o confortava de modo indizível. Na verdade, inefável mesmo era aquela experiência.
Só uma coisa inquietava aquele jovem coração. Era que aquela paz que ele sentia, a tantos outros faltava, aquela misericórdia recebida, tantos a desconheciam e, aquela voz que ele ouviu, tantos nunca ouviram. Seja por culpa de si ou de outrem, havia no mundo outro jovem que não sabia nem que Deus era misericordioso, e muito menos no que consistia essa misericórdia. É a dor de saber, porque ele sabia, que a misericórdia de Deus pode ser infinita e eterna, mas o homem pode não acolhê-la em seu coração. Ela é sem limites, em si, mas o homem pode limitá-la à sua vida, se assim quiser. É que aquelas palavras transmitidas por aquela voz, entraram em seu coração como uma sublime música, mas tantos nunca tiveram a oportunidade nem de conhecer o que elas diziam.

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A Justiça do Perdão

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É normal se pensar em querer justiça e não perdoar, não perdoar enquanto não tiver justiça ou não perdoar por justiça. É muito comum dizer que perdoar é sinônimo de fraqueza e quem faz isso sempre é um bonzinho, isso no sentido pejorativo mesmo, porque o que se quer chamar mesmo é de abestalhado. A moral comum é de que o melhor é ser esperto, um tanto malicioso, maquiavélico (no sentido de ver a todos como maus). Mas, será isso mesmo?
Será fácil ir de encontro com a própria natureza? O homem é orgulhoso por natureza, um tanto maldoso até e o normal mesmo é se proteger e devolver na mesma medida ou até com mais força para se impor, quando for atacado ou ofendido (algumas vezes só na imaginação da suposta vítima). Ir contra a natureza, isso sim, é para os fortes. Vencer a si mesmo não é para qualquer um. Conter-se e não devolver, ceder a outra face, para isso faz-se necessário esforço sobre-humano. Sim, é muito mais fácil dizer que não ser orgulhoso e vingativo é ser fraco, afinal, quase todos são.
E quanto a perdoar ser injusto... Não é bem assim, não. Em primeiro lugar, senso de justiça é o que comumente não se tem, é quase um dom sobrenatural conseguir ser bem justo, sem procurar tirar vantagem para si, isso requer muita humildade e esforço. Desse modo, geralmente, quando se procura a vingança, acaba-se excedendo as proporções e essa desculpa da justiça pela vingança morre aí.
Não perdoar enquanto não houver justiça, aí sim o que é mais comum para os bonzinhos. Diz-se isso, porque o bonzinho geralmente é o coitadinho, então, como coitadinho, ele só vai perdoar quando a pessoa que ele acha que o ofendeu pedir perdão, ou quando a pessoa for punida. E o que tem a ver perdão com punição? O perdão das pessoas, diga-se (não o perdão das instituições), porque para existir punição, tem de existir regras preexistentes e relação hierárquica. Assim, mesmo que alguém sofra um crime, a punição não tem a ver com o perdão. Quem perdoa faz isso para o bem de si mesmo e a punição vai independer disso (exceto nos crimes de ação privada, se for se pensar no âmbito jurídico).
“Não vou perdoar, quero justiça!” - Diz o que se acha inteligente. Na verdade, o perdão é o único que é essencialmente e concretamente justo. Ora, todo mundo erra! Todo mundo é imperfeito! Aquele que não quer perdoar, com certeza e é certeza absoluta, também cometeu algum erro que, se fosse a vítima, não perdoaria a si mesmo. Todo aquele que não quer perdoar tem alguém de quem queria ser perdoado e, por essa razão, perdoar é um ato de justiça. Quem não quer perdoar, também tem de admitir não ser perdoado, e quem coloca limites no ato de perdoar, como se houvesse limites para errar, também deve dar o direito de não ser perdoado quando falhar repetidas vezes.
Seja qual for a razão, seja qual for a desculpa, não há razões para se negar o perdão e considerar-se justo. Pelo contrário, ser misericordioso é que é justo e coerente com a realidade humana falível, imperfeita. Os homens, ao longo do tempo, criam, inventam vários bordões e distorcem valores a fim de justificar o excesso de vaidade e a incapacidade de ser misericordioso, e, por isso, o que acontece é o contrário do que o que procuram dizer. Quem não perdoa, na verdade, é um tremendo de um fraco.

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Da injustiça

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3019978660_1dc0dffb68Justiça é só para o Direito? Só para os juízes, promotores e alguns advogados? Ninguém tem a capacidade de saber o que é justo, a não ser esses que vivem disso? Não. Os juristas vivem da lei, não da justiça. A lei pode ser injusta e a justiça, no direito, virou pretexto para o relativismo resumido no famoso bordão: “o que é justo para mim pode não ser justo para você”. Não, não é assim. O que é justo para um é justo para o outro, só que a justiça pode não ser do interesse de uma das partes. Não existe justiça só de um, justiça ou é ou não é.

Justiça. Essa palavra está tão em desuso que virou fantasia. Em toda petição se pede em nome dela, mas qual é mesmo a que pede justiça? O advogado quer justiça e mente em nome dela, o promotor quer condenar a todo custo e diz querer justiça também, e o juiz tem mão de ferro, condena todo mundo, e acha que é justo. Nesses tempos de hoje, em que deveríamos estar mais avançados, mais conscientes, acontece justamente o contrário, vivemos o tempo da supremacia dos interesses individuais, o justo, assim, foi deixado totalmente à parte, já que o que importa é o que interessa e favorece a cada um.

O que na realidade se gera por conta disso, é que a justiça de um país assim se abarrota de processos. As pessoas, manifestamente desonestas, praticam a injustiça esperando serem sujeitas a uma ação, contando com seus advogados para tentar ludibriar a mente do juiz e proteger seus interesses e com a demora do processo, o que vai desfavorecer o cumprimento da “justiça”. Se as pessoas fossem justas, não haveria tanta necessidade de um órgão para decidir quem tem razão, simplesmente quem não tem abriria mão dela. Mas isso, hoje é algo praticamente inexistente. Acontece é que grandes corporações, por meio da sua influência econômica, colocam seus juízes nos tribunais superiores e esses editam súmulas que favorecem seus interesses. Os bancos, empresas de telefonia, grandes montadoras e assim por diante, lesam direito sabendo que estão lesando e, ainda mais, conseguem por meio do seu poder, fazer que não estejam lesando a direito, fazer que o seu abuso seja legítimo, e tudo isso, lógico, que só se pode dar pela ação dos juízes.

Comete-se injustiças a pretexto de matar a fome, dar bons estudos aos filhos, e mais, na verdade, ter um bom lazer e ganhar bastante dinheiro. Esses nunca, jamais, poderiam reclamar de uma injustiça sofrida, porque seria pela mesma razão, assim seria justo. Mas, não, eles reclamam mesmo porque são injustos e não aceitam justiça contra si, nem que os pesos sejam equiparados, não. Sempre têm de estar por cima. Em todas as profissões com isto pode se deparar: médicos que só pensam em ganhar dinheiro e não estão nem aí para os pacientes (isso é o de menos), empresários que ludibriam os consumidores, servidores públicos que aceitam vantagem e dão preferência a uma pessoa ou outra, etc.

Se tudo isso não bastasse, as piores injustiças ainda são cometidas no âmbito da vida privada. Filhos injustiçados pelos pais, gerando consequências psicológicas para muito além de tudo isso, amigos injustos uns com os outros, namorados e ex-namorados, esposos e divorciados, familiares... Não se vê por aí gente tentando compreender os outros, custa muito pensar e na vida se tem muito mais preocupações do que parar para pensar se realmente se foi justo e correto com o outro. A família, a escola, a igreja, por essa razão, por muitas vezes, em vez de fazerem o papel de construção e de acolhimento do ser humano, fazem o de destruição e sofrimento deste.

Bom seria se cada um, no iniciar do dia, pensasse no que poderia ser justo, e no findar, pensasse no que foi injusto, a fim de consertar no dia seguinte. A vida em comunidade, sociedade, família e amigos, quão mais saudável, mais feliz, mais alegre seria, sem peso nem traumas. Mas, o que impede tudo isso é que, para preocupar-se em ser justo, deve-se antes disso, amar, e até o amor que se conta por aí é coisa totalmente injusta, egoísta.

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