Sola scriptura? Por quê?
A expressão sola scriptura parece ser nostálgica. Não é o latim a língua oficial da Igreja Católica? Deveria ser algo mais como only scripture, ou nur schrift, para ser mais justo. Eu me pergunto, muitas vezes, se alguém que tem a fé baseada nessa expressão e tudo que decorre dela se questiona sobre a validade dela. Nesse ponto, sou obrigado a concordar com Marx, porque uma fé sem fundamento só pode ser a busca de algo, seja por uma religiosidade intrínseca ao ser humano, quanto uma fuga da realidade ou uma forma de maquiá-la. Por que digo isso? Vamos voltar no tempo.
No século, I Jesus morre e ressuscita (e não há nenhum registro de que Ele tenha mandado escrever algum livro); no mesmo século, os apóstolos começam a pregar e disso vêm os discípulos; para que a fé continuasse sendo pregada com autoridade e autenticidade, os apóstolos, que iriam morrer, escolhem os bispos; do mesmo modo, para se comunicarem e terem registros da fé, alguns apóstolos escrevem algumas cartas e um escreve um evangelho, enquanto outros são escritos por seus discípulos – neste ponto, é importante ressaltar que o Marcos, o evangelista, era discípulo de Pedro, o evangelho de João foi escrito por seus discípulos, Lucas não era apóstolo, mas discípulo, e Mateus foi o único apóstolo a escrever um evangelho –; os bispos continuam a missão de Evangelizar nas diversas Igrejas; os bispos vão morrendo, em virtude da perseguição, e se escolhiam outros bispos para o seu lugar; tinham alguns escritos estranhos à fé original e urgiu a necessidade de distinguir quais seriam autênticos ou não. Chegamos no ponto crucial.
Os discípulos de Marcião, por sua influência, aceitava a canonicidade de muitos poucos livros, e já tinha outros, como Orígenes, que aceitavam mais, como o Proto-Evangelho de Tiago, por exemplo. Nisso, no século IV, os bispos, que foram sucessores de outros bispos, que foram sucessores de outros bispos, e assim por diante, decidiram se reunir em um Concílio a fim de discutir quais seriam os livros autênticos e formaram uma compilação que se chama Bíblia, ou em claro português: livros. Depois de muita discussão, em resumo, saiu o Novo Testamento que temos hoje, mais o Antigo Testamento da versão grega, a Septuaginta, que era a usada, obviamente, desde os apóstolos. Na versão dos setenta tinham sete livros a mais do que a versão em grego, mas preferiu-se pela grega, por motivos óbvios (ressalte-se que Paulo, por exemplo, usava a versão grega). Foram escolhidos os livros autênticos e acabou-se a discussão (naquele tempo).
Depois de pouco mais de mil e cem anos aparece um revoltado chamado Martinho Lutero, que tinha razão em estar descontente, mas não teve razão em deixar a Igreja jamais, traduz a Bíblia para o alemão, como se fosse patrimônio seu, e a divulga através da imprensa, então inventada naquele tempo. Pouco mais de um século depois, veio essa estória da sola scriptura, baseada sabe-se lá sobre o que, mas, podemos deduzir que seja uma tentativa de originalizar e dar fundamento para o que não se pode dar fundamento: à fé protestante. De fato, é tarefa impossível que facilmente se desmonta, mas que a ignorância e o orgulho impedem qualquer um que a tenha de enxergar.
Não há como se crer nessa only scripture, porque o fundamento da Bíblia está na Igreja Católica. Só se pode crer na Bíblia se se crer na Igreja Católica, porque foi elaborada por ela e pela tradição que foi escolhida. Foram os bispos reunidos em Concílio que decidiram o cânon, não foi a Bíblia que desceu assim, prontinha, como se fosse um livro só. O que garante, para alguém que não é católico, que a Bíblia não é um livro falso, criado para ser instrumento de dominação social? Nada. O que garante para um católico que a Bíblia é palavra de Deus inspirada pelo Espírito Santo? A fé na Igreja Católica.
Crer na nur schrift é como se eu fosse contemporâneo de Miguel de Cervantes, tomasse o seu “Dom Quixote” e dissesse que vale o meu entendimento e a minha interpretação sobre a obra, como se eu a tivesse escrito, em detrimento do autor. É coisa completamente sem fundamento. É, definitivamente, uma casa construída sobre a areia. O resultado, milhares e milhares de denominações e entendimentos diferentes sobre a mesma compilação de livros, como se pertencesse a eles, e não à Igreja Católica.
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