Da vontade de Deus (Introdução)

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Sagrado Coração de Jesus

“Eis que estavas dentro de mim, e eu lá fora, a te procurar!” (Confissões, Cap. XXVII) Eis o que diz Santo Agostinho em seu solilóquio de amor. De fato, de logo se anuncie, que o que será aqui exposto é um tanto que incompreensível. Isto posto, que o leitor desanime todos os anseios e expectativas possíveis de que o assunto seja exaurido tanto em sua profundidade quanto em sua extensão. O que será aqui exposto é resultado de oração, vivência e estudo, muito mais vivência do que estudo e oração. A teimosia nos faz refletir bastante sobre o tema.

A questão sobre a vontade de Deus tem várias acepções, sendo a primeira geral, qual seja, a santidade. Deus quer que todos os seus filhos sejam santos. Tarefa difícil é esta, em virtude de estarmos neste mundo que jaz sob o poder do maligno (I Jo 5, 19). Todavia, existe toda uma tendência dentro de nós para a santidade, visto que é de nossa natureza, é como que entrar novamente dentro da forma na qual fomos feitos. Interessante é pensarmos nisto. Todo ato de amor gratuito, tudo aquilo que é realmente bom e santo, que nós praticamos, faz-nos imenso bem, dá-nos incomensurável consolação ao espírito, isto porque nosso verdadeiro “eu” é correspondido, é saciado! Nós nascemos para a santidade! Deus quer, pois, esta santidade que habita dentro de nós!

Se alguém se questiona sobre o que é ser santo. É simples a resposta. Existe uma vontade de Deus externa a todo homem, que serve para todos e para todos foi criada, inspirada e elaborada. É a palavra, afinal, o Verbo que é o próprio Cristo que se faz verdade e santidade na Bíblia. Lá temos as disposições, os direcionamentos, o que devemos e não devemos fazer. A lei antiga e os mandamentos, a lei nova e os conselhos. Os mandamentos, portanto, não são nada mais do que a retidão da natureza humana, conforme criada. E os conselhos, porque não afirmar, que são o transbordar da natureza humana, isto é, a assemelhação do homem com Deus, para que este, assim como diz São João da Cruz, seja deus por participação. Há só algo que se deve, e como se deve falar, é que, do mesmo modo que a Escritura Sagrada foi inspirada por Deus, a sua interpretação, da mesma forma, deve ser inspirada e iluminada pelo mesmo Espírito Santo da sua elaboração. Portanto, os diversos posicionamentos que podem existir, em vez de se anularem, devem se completar, assim como o Deus é um Deus de união e coerência.

Existe também uma vontade de Deus específica, aquela que é para cada homem. Aquilo para o que se nasce, aquilo para que se deve fazer, enfim, a determinada vontade que nos santifica. Desta vontade de Deus, arrisca-se dizer que mora dentro de nós, e que é a nossa verdadeira vontade, do fundo do nosso coração, do fundo da nossa alma. É, principalmente no que toca às vocações que isto mais se vê. Vivências erradas de vocações frustram e deixam más consequências. Isto é o que se vê em famílias com pais sem vocação para tal, na criação de seus filhos, ou mesmo na quase impossível vivência em dois, que constitui numa série causa de infelicidade. Isto se depara também, talvez com maior gravidade, em sacerdotes que não tem vocação para o serem. Muito da origem disto se dá nos tempos antigos, quando tinha de ser religioso para ter acesso à ciência, deste modo, vários e vários padres o foram com nenhum interesse no verdadeiro sentido de o ser. Por outro lado, quando se sente um chamado específico para uma vocação, não se deve nunca ver algo de externo, mas de interníssimo, de modo que o que é vontade de Deus para cada um é o que Ele sabe que os deixará felizes e realizados. Não há, pois, o que se temer, porque, se é mesmo Deus que chama a algo, Ele nunca decepcionará! O oposto sim, é que pode ocorre, e é o que ocorre usualmente. Frustrar a Deus, é, por fim das contas, frustrar a si mesmo.

Outra acepção de vontade de Deus, que se pode refletir, é sobre a efemeridade da vida, dos tempos. Tal fato é bem exemplificado naquela bela passagem, Eclesiastes 3. Isto se dá porque, Deus, pensando na nossa felicidade eterna, mais aproximadamente, na nossa santidade aqui na terra, prepara diversas realidades para a nossa vida, tudo para o nosso crescimento. É real o que afirma São Paulo: “Aliás, sabemos que todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são os eleitos, segundo os seus desígnios.” (Rom 8, 28) Nessas horas muito se questiona a Deus, principalmente quando o tempo em que está se passando é de dor ou de dificuldade. Ah, se todos possuíssemos a devida visão espiritual, veríamos, assim como Santa Teresa de Ávila, São João da Cruz ou Santa Catarina de Sena, que o sofrimento é providência e graça de Deus. Deus usa até dos demônios, a ponto de nenhuma ação diabólica fugir da permissão de Deus, quanto mais das realidades do nosso dia-a-dia! Nesse ponto, Ele se faz como um professor, dando-nos verdadeiros exercícios e avaliações. Como afirma Catarina, é no sofrimento que são provadas as nossas virtudes.

Por fim, a vontade de Deus funciona, quase que diariamente, como estratégia de guerra. O demônio anda ao nosso redor como o leão que ruge, procurando alguém para devorar (I Pd 5, 8),e é contra ele, muitas vezes que temos de lutar. Nossa inteligência, incrivelmente limitada (quase zero), algumas vezes, não pode disputar com a de seres espirituais de natureza angélica. Por isso, na alma onde não há pecado mortal, Deus constantemente está a avisar, a conduzir. Essa é a vontade de Deus com a qual nos deparamos mais corriqueiramente e, obviamente, a de menor importância. Mas, de muita utilidade é a escuta. O caminho certo, a hora certa, o jeito certo. Pode ser que estejamos distante desta realidade tão sobrenatural de combater junto a Deus, atendendo os seus direcionamentos, todavia, é certo que chegaremos lá se formos fiéis!

Não há dúvida, portanto, que a vontade de Deus é a nossa felicidade, não só porque mora dentro de nós, mas porque é o caminho seguro a seguir. Nossa liberdade é limitada, sim, quando estamos no mundo. A união com Deus liberta, ao contrário do que se possa parecer, mas isto ocorre porque Deus mostra à alma sempre o melhor caminho.

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Dos Ladrões da Glória de Deus

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VERONESE AND STUDIO-XX-Jesus falls under the weight of the cross

Na vida espiritual há diversas minúcias das quais muitas vezes esquecemos, e é importante sempre lembrarmos, na tentativa de não alegrarmos o demônio, nem muito menos irritarmos a Deus. Convém, é certo, que não somente oremos, por vista que para o próprio Jesus, isto não basta, mas que vigiemos, para que não caiamos em situações de pecado (São Mateus 26,41). Interessante é notar o que afirma Santa Edith Stein, a título de introdução: “nos principiantes, transferem-se para ordem espiritual os sete pecados capitais…” (A Ciência da Cruz, p. 60) Não afirmo, de modo algum, que não cometo tal ou tais pecados, pelo contrário, mas, não requer que eu seja santo para que fale sobre pecados. Até porque que um passo para santidade é preocupar-se em sê-lo, todavia, quem diz que busca a santidade e não está nem aí para o espelho, achando que não tem nenhum cravo nem espinha, quando o rosto está repleto, é um mentiroso.

Imagine a seguinte situação. Uma Certa Pessoa sentia necessidade de amar e, para isto, criou diversas realidades, materiais e espirituais. Nas espirituais, criou seres perfeitíssimos, inteligentíssimos, cheios de poder e beleza, como que reflexos de Sua glória. Até que, em determinada situação, um destes, repleto de si, por seu poder, beleza e inteligência, quis ser como Aquele que o criou, adorado - não sei porque, não lembrou-se, ou  não estava nem aí para isto, de que era uma criatura. Acabou sendo expulso das realidades espirituais, o infeliz.

Aquela Pessoa, além disso, criou todas as realidades materiais, a fim de amar. Criou uns bichinhos bonitinhos, umas plantinhas maravilhosas e um bocado de gente. No começo, Ele colocou duas plantazinhas no jardim, lá, que ele criou para o povinho dele brincar, aí apareceu aquele infeliz, nojento, bandido, desgraçado, e instigou àqueles felizes para que comessem da plantazinha que o Pai deles tinha dito que não o fizessem, afirmando que eles seriam sábios como Ele (era mentira!). Coitados de nós, que, por causa desses benditos, nascemos cheios de defeitos e temos que viver a vida para superá-los (não nego que seria capaz de fazer o mesmo, ou pior, se estivesse em semelhante situação).

O problema é o seguinte. Aquele bandido, nojento, desgraçado, assassino e mentiroso de que falei, até nos dias de hoje, fica aconselhando a gente a fazer o mesmo, e nós, bandidos, nojentos, mentirosos, assassinos e ladrões, como ele, caímos nessa ilusão! Deus nos dá tudo, tudo e tudo! Nosso corpo foi Ele que deu e nós insistimos em usá-lo para o que não presta! Deu nossa inteligência e nós insistimos em criar coisas terríveis. Enfim, deu-nos tudo, tudo, as pessoas que amamos, até a nossa realidade material permitiu que fosse assim, e nós, bandidos, jogamos tudo contra Ele! Pior é quando a nossa vaidade é tão grande e imbecil, que atribuímos algo que é de Deus a nós, como se fosse mérito nosso! Ah, coisa terrível! Se você não se detesta quando o faz, se questione, meu amigo, porque você não tem um mínimo de amor por Deus. Diga-se mais, o seu amor por Deus não consegue ser maior nem que o seu orgulho e vaidade! Como dizer que Ele é seu tudo, seu mentiroso?! E falo isso olhando no espelho!

Meus irmãos, na graça, e meus semelhantes, no pecado, acordem para esta realidade! Nós não somos nada! Tudo que temos foi-nos dado de presente, não obstante, imerecidamente! Deus é como um pai de um filho desobediente, aquele filho bem ruim, sabe? Só que Ele ama tanto o filho idiota, que quando chega em seu aniversário lhe dá o melhor presente que podia dar. Em nossa realidade, deu-se a Si mesmo, a nós, na figura de Seu filho, que partilha de Sua mesma substância. Ainda mais, ainda não contente com isto, ainda achando pouco, deu-se a Si mesmo também, a nós, na figura do Seu Espírito Santo, que procede do Dele e do Filho, para que habitasse em nós! Que amor é esse?! Totalmente louco e apaixonado! Imagina Deus fazendo isso a mim, bem mais pecador que você?! Deus é louco! Realmente, louco de amor!

Agora, todos esses presentes Ele nos dá e nós fazemos o que com eles? O que você faz, infeliz? Quando não pega e joga fora, deixando ali do lado, ou se acha indigno de receber e o recusa, ou, agindo de maneira mais perversa, sai dizendo que aquilo que Ele lhe deu é seu, de sua propriedade! Eu também, talvez muito mais vezes, quando me deparo com as graças de Deus em minha vida fico cheio de mim!

Olha, Deus fez tudo primeiro! Tudo que você faz não passa, muitas vezes, de uma cópia do que Deus fez, quando é bom! Toda resposta que você dá, de amor a Deus, não é nem novidade, nem nada demais. Era, sim, na verdade, o mínimo que você podia corresponder daquele que o ama com tanta força! Se você não estiver contente com esta realidade, de ser uma simples criatura, um instrumento, um nada, por si mesmo, mas, um tudo em Deus, por Deus e para Deus, meu colega, vá com o demônio, porque você se assemelha a ele, e prepare-se para a eterna infelicidade!

Agora, por outro lado, meus irmãos, a todos vocês que se vêem como soberbos e orgulhosos e sentem vergonha disto, minha saudação! Porque Deus é misericordioso! Seu amor é cheio, repleto de misericórdia! Ele se irrita, mas espera de nós uma evolução. Portanto, demos a Ele uma resposta de humildade, atribuindo a Ele, e só a Ele, tudo que nós porventura possuímos de bom, se é que o existe!

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