Do Veneno Cristão

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Delacroix

Não é nada estranho o nosso costume de adaptar os costumes do mundo ao “mundo” de Deus. O mundo ensina a sermos ambiciosos, individualistas, egoístas, orgulhosos, hedonistas... O mundo de Divino, porém, é incompatível com tudo isto. “Nós conhecemos e cremos no amor que Deus tem para conosco. Deus é amor, e quem permanece no amor permanece em Deus e Deus nele.” (I São João 4,16) Repetindo, Deus é amor! Quem entra no universo de Deus, entra no universo do amor. O amor deve ser o princípio maior de todos os seus atos, tudo deve girar em torno dele.

Ambição, em primeiro lugar, é uma palavra indisponível no dicionário cristão. Infelizmente, muitos de nós temos ambição a altos cargos religiosos, a sermos importantes, ainda mais, existe a maldita ambição à santidade. Pessoas que querem ser santas a todo custo, mas não percebem que desde o início já está tudo corrompido. O caminho da santidade é um caminho de pequenez. Se quisermos ser santos, devemos ter em mente que não poderemos fazê-lo sozinhos, somos passarinhos nas mãos de Deus. Ele que é perfeito e quer nos moldar. Com isto quero dizer que o caminho para a santidade não é um caminho ativo, mas passivo! Pode-se ser ativo, de certo modo, quando Deus nos chama a esta atividade. No final das contas, torna-se passivo. Devemos ser santos por amor, por amor a Deus.

No reino do amor o individualismo não existe! Na verdade, o amor nos leva ao outro. Tudo aquilo que nos prende a nós mesmos é tudo, menos amor! Amor-próprio, pode se dizer, é algo que nos prende a nós mesmos! O amor-próprio não nos prende a nós mesmos, pelo contrário, rege nossas relações, e por ele, podemos evitar o desamor. Pelo amor próprio queremos ser santos, e a santidade exige amor pelo outro, por ele, acabando saindo de nós mesmos. Se quiser dizer que amar a si mesmo, do jeito que o mundo ensina, é sinônimo de dar a outra face, de perdoar setenta vezes sete, diga-se, sempre, que é ser condenado inocentemente, que é morrer pelo outro, não sei em que mundo eu vivo. O amor que marca o cristianismo é o “ágape”, que é o amor desinteressado, totalmente altruísta, que se alia ao “eros”, que se transmuta em amor erótico para o amor que quer, o amor que se quer receber, e se vive um amor equilibrado (Bento XVI, Encíclica Deus Caritas Est). Até porque quando queremos receber o amor do outro, provocamos a sensação de ser querido, ao outro. No final das contas, no reino do amor não se vive por si mesmo.

Egoísmo é absolutamente incompatível com o cristianismo. Quem pensa só em si é o demônio! Esse egoísmo é o causador dos maiores males do mundo, gera segregação, guerras, pobreza, destrói corações! Eis que Deus deu sua própria vida a nós na cruz, renunciou a si mesmo. Ele que é Deus! Nós, que somos pequenos pedaços de fezes, que nada temos de bom, vivemos a proteger esse estercozinho que somos pensando em nós! O que nós queremos, o que nós queremos, o que nós queremos... Exploda o que nós queremos, vamos acabar no inferno assim! Porque se o altruísmo é a maior característica do amor, não poderemos entrar no Reino de Deus assim, não! Obviamente, Deus é misericordioso, mas o que importa é se nos acharemos dignos da misericórdia Dele. Afinal, só vamos para o inferno se quisermos. Entretanto, podemos deixar de viver o inferno aqui na terra e também de causar o inferno na vida das outras pessoas. Quando sairmos de nós mesmos, vamos descobrir a verdadeira felicidade!

O orgulho, a raiz de todo pecado, nem se fala. É o gerador do egoísmo e do individualismo e é mais abrangente ainda, porquanto comporta outra desgraça, e que desgraça! Falamos da soberba. Ah, maldita soberba! Por ela Deus não nos dá nada! Vejo todos os soberbos como os alegradores de Satanás, o ex-Lúcifer, porque este foi o seu erro. Não quero eu ser amigo do inimigo! Estou aqui para, junto a Deus, esmagar a sua cara no chão do inferno! Por outro lado, o cristão é aquele que se rebaixa, que se humilha, também por amor. Interessante é que muitas vezes a humildade pode se tornar egoísta, quando tentamos ser humildes pensando em nós mesmos, porque isto é santidade. Entretanto, não é por aí! A humildade é dar tudo para o outro, não reter nenhum mérito para si. E isto é amor! Dessarte, devemos ser humildes, não pensando em nossa santidade, mas pensando em amar! Até porque não temos lá tantos motivos para nos orgulhar, quanto menos de nos achar melhores do que os outros. Somos pequenos vasos de bosta e não há motivo nenhum para se alegrar disto.

Pode ser que, ao ler isto aqui, a nossa ambição nos recorde de que não falamos nada do hedonismo; o nosso orgulho nos cegue a enxergar as nossas mazelas que aqui foram ditas; a nossa soberba nos deixe feridos com as fortes palavras do texto; o nosso egoísmo não nos permita nos questionar acerca de nós mesmos; e, enfim, o nosso individualismo relativize tudo e tente nos convencer de que isto é só problema nosso.

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Dos Dons

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Os dons espirituais são antecipações da Glória de Deus que será plenamente vivida no Céu. Não sou eu que o afirmo, mas São João da Cruz. Essa antecipação pode ser concedida por mérito, ou por demérito. Por mérito, falo dos santos místicos, sobre os quais Deus não dispensou suas graças, pois confiou neles. Por demérito, falo dos incrédulos da vida, que para crerem em Deus precisam tocar em suas chagas. Assim, Deus, por misericórdia, manifesta a sua Glória por meio de diversos dons.

Podemos dizer, quem sabe, que os dons são concessões Divinas. Aquilo que Deus possui, empresta aos seus filhos, para que seja atingida uma finalidade. Afinal, os dons não servem por si só. De que adiantaria tão somente a manifestação de Deus? Deus age, sim, de modo sobrenatural, mas acha ridículo fazer papel de mágico para encantar as pessoas, permitiu que existisse o trabalho do ilusionista para tal fim. Muitas vezes, quando Deus realiza milagres e prodígios, não é só para dizer: “Ei, Eu estou aqui!” Mas, sempre “mata infinitos coelhos com uma cajadada só”. Vai desde o encantamento até a conversão de vida. Os dons são manifestações do seu amor!

Pensemos em algo. Se o Pai é o amante, o Filho é o amado, e o Espírito é o amor, as maravilhas de Deus que se manifestam por meio de nós dessa maneira tão sobrenatural, não são nada senão provas de amor de Deus, não é? Deus que nos ama tanto, que quando estamos com calor e não tem vento, Ele mesmo vem soprar; quando não temos o que comer, Ele mesmo vem nos alimentar. Devemos lembrar que quando Deus dá uma palavra de Ciência, de Sabedoria, de Profecia, o que seja, é o seu amor se manifestando! Desse modo, faz-se absolutamente necessário que se descentralize a realização dos dons de nós, que somos tão somente o canal. Quando rezamos por alguém e Deus fala algo, a prova de amor não foi nossa, mas de Deus. O nosso amor foi tão somente a disponibilidade, e olhe lá, porque muitas vezes oramos de má vontade e Deus mesmo assim realiza suas obras!

Afinal, Pedro andou um pouco sobre as águas, mas aquilo foi obra dele? Na verdade, para fazê-lo pediu a Jesus (São Mateus 14, 28). É Deus quem realiza todas essas maravilhosas obras, seja milagre, profecia, ciência, sabedoria, o que for! Somos canais ou objetos do amor de Deus, sempre. Por nós mesmos, nada podemos fazer. Por isto que Deus, algumas vezes, bloqueia o canal que age por nós. Na sua infinita sabedoria, deseja fazer-nos aprender que não somos nada, e Ele é tudo! Não é não?

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Da Noite dos Sentidos

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wStJohnCross

O assunto aqui abordado é descrito por São João da Cruz, que é Doutor Místico da Igreja. Entretanto, abordarei a meu modo. Meu querido santo, peço a sua licença.

Como já se falou anteriormente, trata-se a noite escura de um sofrimento que é imposto pelo próprio Deus, não como castigo, mas como graça. Ele quer que se saia das imperfeições e se adentre mar abaixo, mergulhando sempre em águas mais profundas. Ele ama demais seus filhos para permitir que fiquem na imensidão da superficialidade, numa vida espiritual medíocre e infantil, por outro lado, quer, por esse amor, que sejam cada vez mais semelhantes a Si. Assim, age como se injetasse fortíssimo anestésico, ou ainda como se tapasse os olhos, ouvidos e boca.

Já foi dito que sofrimento eleva, que é escola. Agora afirma-se que este sofrimento é a melhor escola, este sofrimento é o que mais eleva. Só quem ama a Deus pode fazer entrada nisto que aqui se descreve, e é mais um ato de Deus em propor a noite escura, isto é, saber se realmente se Lhe ama. Ainda mais, quer que este amor seja verdadeiro, por isto retira como que Sua presença, faz-se como que ausente (digo “como que” porque Ele nunca está ausente), para que não seja tudo tão fácil. Deus não é aquele pai que mima os filhos deixando tudo fácil para eles, não! Ele não quer que eles sejam monstros ruins e miseráveis, mas que sejam santos. Como diz Santa Teresa d’Ávila, “a quem Deus ama mais, mais sofre” (Caminho de Perfeição), justamente pelo fato de que pelo sofrimento pode-se assemelhar mais a Ele, que dignifica e redime do pecado original. De fato, quem chega ao último estágio da santidade, não pertence mais ao mundo do pecado original, tornou-se um com Deus.

São João da Cruz fala em noite dos sentidos e noite do espírito, entretanto, só se abordará, por ora, a noite dos sentidos, porquanto se trata a noite do espírito de estágio muito mais elevado.

Nesta noite, a dos sentidos, Deus dá ao seu amado um belo anestésico, a fim de adormecer os sentidos dele. Quando se fala em sentidos, em primeiro lugar, se fala de tudo o que é sensível não só ao toque, mas também ao gosto, tudo que é sensibilidade. Aprofundando mais, pode-se dizer que ao adormecer os sentidos, Deus o faz com a nossa parte inferior da alma, onde se encontra as faculdades afetividade e imaginação. Deus adormece, pois, os nossos afetos (não vou ater-me em explicar tudo isto, se quiser saber, pesquise). Deixa-se, assim, de sentir gosto pelas coisas de Deus, fica tudo difícil, sem sal nem açúcar, muito menos pimenta. Algum filho amado de Deus pode questionar por quê Deus faz isto, se Ele nos ama, que Deus ruim! A isto se responde, tentando não xingar: Querido, Deus quer saber se se está com Ele e para Ele porque se gosta Dele ou porque é tudo legalzinho, bonitinho, gostosinho, encantadorzinho e bonzinho. Ainda mais, Deus quer que se deixe de ser criancinha. Ele acha que já está na hora de tirar a chupetinha da boca, parar de dar comida na mamadeira, tirar da cadeirinha, enfim, quer educar-nos para crescer na fé.

Por isto, obviamente, tem uma maneira de se vencer esta noite, ou, pelo menos, de convencer a Deus de que já se merece sair dela. Para sair da noite escura dos sentidos, faz-se necessário que se tenha garra, coragem, disposição e amor. Quem for frouxo vai ficar para trás! Para se sair desta noite, tem de se aprender a rezar mesmo sem nada sentir, e com muito mais gosto por não estar sentindo; tem de se aprender a servir a Deus mesmo que não seja agradável, mas com muito mais gosto por não ser agradável. Ainda mais, como afirma São João da Cruz, não querer ter gosto em coisa alguma, não querer possuir coisa alguma, não querer ser coisa alguma, não querer saber coisa alguma, ir por onde não se gosta, ir por onde não se sabe, ir por onde não se possui, ir por onde não se é. Mas, fazer tudo por amor a Deus.

Portanto, a quem chegou neste estágio, saiba que está na hora de deixar de comer papa e começar a comer as “verduras” e “legumes” de Deus. Sabe-se que verduras e legumes não são lá muito saborosos, mas que são extremamente saudáveis. Também o que Deus quer é muito mais saudável. Deus há de dar àqueles quem forem bons filhos e tornarem-se mais dignos de sua confiança aquilo que só se pode dar a quem é mais digno de confiança.

Este texto não exclui, nunca, jamais, a leitura do livro “A Subida ao Monte Carmelo”, de São João da Cruz, ou de algum livro que o explique melhor, tal como “A Ciência da Cruz”, de Santa Edith Stein.

É hora, pois, de crescer.

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