Desvario hipnótico

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Era uma vez um casal. Ela era Joaquina e tinha o sobrenome dele. Ele era hipnólogo, e tinha o sobrenome Fuentes. Eles se conheceram de algum modo, como acontece a todo casal, e por razões que a ciência não explica, creiam, apaixonaram-se.
Casaram-se algum tempo depois. A convivência foi ficando interessante. Todos os segredos da intimidade já revelados, todas as manias. Já tinham se acostumado um com o outro, de modo que seus defeitos perderam a vergonha e o respeito humano. A liberdade que tinham um com o outro já era plena e, talvez por isso, Fuentes resolveu abusar dela.
Cansado da tagarelice de Joaquina, resolveu ultrapassar os limites da moral dentro de casa. Certa vez, enquanto ela falava, falava e falava, cada vez com o tom de voz mais alto, ele resolveu pegar o controle remoto da televisão, apontou para ela e deu umas dedadas no botão de volume. Aconteceu o que se esperava que acontecesse, a voz dela diminuiu o tom para o que ele determinou e sua paz se estabeleceu até outra ocasião.
Fuentes abusou da liberdade e do respeito humano, diminuindo sempre o tom de voz da companheira. Já ela, insatisfeita com tudo isso, não deixou barato e, como não tinha potência, resolver irromper na permanência, na quantidade, e não parava de falar. Como resultado de todo “toma lá, da cá”, a paciência de Fuentes foi se esvaindo pouco a muito, até que desapareceu de vez.
Ultrapassando todos os limites do bom senso, e invadindo o terreno da intriga, da discórdia, da implicância, enfim, ele tentou o botão “mute”. Nada acontecia. Tentou diminuir até o volume zero e, para sua surpresa, ainda poderia escutar a sua voz imparável. Não suportava mais, estava ficando completamente louco com aquilo que provocara, até que finalmente invadiu este terreno, o da insanidade. Tapou os olhos da esposa, como fazia a todos a quem havia hipnotizado, desacordando-a e, deslizando para cima para baixo as pontas dos dedos indicador e polegar unidos sobre os lábios dela, disse em seus ouvidos: “Estou costurando sua boca. De agora em diante, você não poderá mais abri-la.”

Bateu as palmas das mãos uma só vez, para que ela acordasse e ele visse o resultado.
De fato, ela emudeceu. Mas eu me reservo a não pensar em quem matou quem no final da história.




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