Carta ao Eu-lírico

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Querido Eu-lírico,

É com muito pesar que eu noticio a morte das suas musas. Tenho me questionado muito sobre o sentido do que é poesia no meu ponto de vista da arte e como arte, e vi que não há mais razão para a existência delas.

Confesso que me vi decepcionado quando soube de outro escritor, que se acha também poeta, que queria competir com os seus poemas de amor. Disseram-me ontem e pensei muito em você, porque conheço a sua total desaprovação a qualquer tipo de comparação, a não ser para dizer que Augusto dos Anjos era o melhor de todos.

Mas, sério, disputar poesia é como disputar um coração de uma mulher, é tratá-la como objeto, troféu, e não como a obra mais perfeita da criação que, não por acaso, possui o coração que ama com mais perfeição, que é o coração de mãe. E você sabe da minha opinião: que quem merece o amor de uma mulher é o dono vara que floresce, como São José, bem como escrevemos: “...se é amor de amor/ Foi do amor Dele que se nasceu”.

Por isso, Eu-lírico, não vou deixar mais você escrever romanticamente. A partir de ontem em diante, sou eu que escrevo, e só serão amores de verdade. Nada mais que se fale de um verdadeiro sentimento será dedicado publicamente. Afinal, porque receber elogios e encantar a mais de uma mulher com palavras devidamente endereçadas? Creio que se é por amor, só me basta, agora, um sorriso.

Não vejo mais sentido em aproveitar-me do amor senão for para falar sobre ele, no seu mais amplo sentido, e para isto não preciso de musas. Você se lembra de quando escrevemos o “Amor Esponsal”? Lembra-se de como é belo e verdadeiro? Não foi necessária nenhuma musa, tudo foi puramente abstrato, como uma tese em forma de poesia. E não ficou bom? Não ficou verdadeiro? Pois é assim que escreveremos de hoje em diante.

Estou entregando agora a você não mais uma musa, mas milhares de objetos a se pensar e criar. E só para lembrar que é meu nome que está em jogo, já que eu não dei a você nenhum, senão aquele que aprendi nas minhas aulas de literatura. Você é Eu-lírico e pronto. Eu tenho meu nome e quem lê me sabe. Não vou esconder-me nas costas de um pseudônimo (você sabe das influências que eu tenho de Schopenhauer).

E é assim, companheiro, que me despeço, e dispenso você de mais esse trabalho. Quando for falar do eros, deixa que eu falo e se cale. Pois, enquanto eu for vivo, meus poemas de amor só abrirão um sorriso. Confesso que fico triste toda vez que você perde uma musa e a poesia só fica com palavras, é triste. Por isso, tomei essa decisão também por você, e não ache que foi uma decisão precipitada e nem que vou voltar atrás, você sabe muito bem que eu não vou.

Do seu companheiro de longos dias,

Poeta.

Ps.: Quando restrinjo esse amor ao “eros”, você sabe do que estamos falando. Entendido? Pode se alegrar!

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  1. Que dizer que você tratava as musas como objetos !!! Não queria não saber o que penso o pior desse objeto, assim como, Augusto do Anjos.

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  2. Igor, será que eu entendi direito ! Você em forma de poeta, usava a pureza e espiritualidade dos coração das meninas e, transformava em poema. E agora, revela que "as musas" eram para o poeta - Igor, apenas como objeto. É isso mesmo?

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    1. Como assim, apenas um objeto? Se só eu sabia que elas eram musas? Hein?

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    2. Como assim, apenas um objeto? Se só eu sabia que elas eram musas? Hein?

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  3. "Mas, sério, disputar poesia é como disputar um coração de uma mulher, é tratá-la como objeto, troféu, e não como a obra mais perfeita da criação que ..." outros textos seus me falam.

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