A tentação do filósofo

rodin Ele lê e reflete. Pensa. Sempre está atrás de uma solução diferente, de uma novidade. Vive para pensar e esse pensar é o combustível para o seu viver. Quer gritar quando não está contente com a realidade que invade seu coração inocente, ele não vê maldade, nem em si mesmo. Com sua potente caixa pensante, tenta adequar o mundo a si, porque o si não se adequa o mundo. Ele pensa.

Ele tem que estar certo na sua versão da verdade, porque existe todo um sistema montado na sua cabeça, e uma parte do quebra-cabeça diferente, fere toda a imagem. Ele tem que refazer tudo de novo para ficar coerente. E assim vai à sua trajetória em busca da verdade, seja a verdade verdadeira, seja a que mais a si acomoda, não lhe causa tanto sofrimento nem aumenta sua angústia, tormento que existe por ver com os olhos da razão.

Ele não segue a ninguém, só tem uns colegas com quem concorda. Porque seguir reduz sua capacidade de pensar e chegar por si mesmo à mesma conclusão. Ele quer ir sozinho desbravando a floresta, abrindo novos caminhos por entre as pedras a fim de achar seu próprio tesouro. Seguir alguém, para ele, é perder a liberdade, e não quer andar por caminhos já trilhados, isto lhe tira o gosto da descoberta.

Aí é que está o grande problema: ele quer achar um novo caminho e quer que o vejam nesta trajetória, já que ele é um desbravador, não uma formiga que segue em comboio, então ele grita a anunciar que está em um novo caminho, e que este tem árvores e animais que em outros não tem, que é melhor, mais rápido. Ele tem de chamar atenção, porque não tem graça todo esse esforço se ninguém ver o que ele conseguiu. O pior de tudo, é que mesmo que termine num precipício, ele tem que ser diferente, o caminho é o dele.

Inspiração ou revelação? Uma abordagem aos carismas.

Levitation-Of-St.-Francis Pode-se crer ser muito útil tomar cuidado e sempre fazer distinção entre revelação e inspiração. Revelação, segundo Edith Stein: “o que for percebido pela inteligência como coisa nova e desconhecida” (Ciência da Cruz, p. 68), “conhecimentos intelectuais, em que são desvendadas verdades ocultas referentes a coisas materiais e espirituais; e revelações em sentido próprio e estrito, pelas quais são revelados mistérios” (p. 70).
 
Por outro lado, num sentido não bíblico, pode-se dizer que inspiração é ação divina diferente de revelação. Na qual Deus se utiliza dos conhecimentos intelectuais referentes a coisas materiais e sobrenaturais que já se conhecem, ou que já existem na memória do inspirado, para comunicar-se com ele ou com outrem. Por que não assim dizer? E, além do mais, qual a utilidade dessa diferenciação?
 
Serve para aqueles que confundem dom de ciência com dom de revelação. O dom de ciência se manifesta nas faculdades inferiores da alma: afetividade e imaginação. Por outro lado, o dom de revelação se manifesta na inteligência. É muito bom não se confundir, até para não se vangloriar de ter um dom de revelação, quando é simplesmente uma ciência ou sabedoria de Deus. Existem dons de ciência mais profundos, lógico, entretanto, revelação só há daquilo que não se sabia, daquilo que estava oculto, escondido, não visto nem sabido ou conhecido.
 
Mais ainda, serve para que se acorde quando se esperar uma inspiração Divina. Ela só há de se dar naquilo que se conhece, isto é: se uma pessoa não ouve boa música, a inspiração de Deus para que ela faça uma nova, será no nível daquela que o autor ouvia. Quando se há de escrever algo, seja poesia, prosa, texto ou livro, a inspiração acontecerá naquilo que o autor adquiriu de experiência pessoal, ou de experiência dos outros, lendo muitos livros, assistindo a muitos filmes e peças de teatro, estando presente em várias aulas ou seminários. Enfim, assim acontecerá.
 
Quando acontece algo novo, inesperado, é ação direta do Espírito Santo, e o autor deve saber logo que ele não tem mérito nenhum, a não ser de ser um bom canal da graça de Deus. Mas, se não for inspiração e tiver mais teor de revelação, que ele não se glorie e saiba que foi ação direta da misericórdia de Deus, que quis ir além da preguiça ou das limitações intelectuais, físicas e espirituais do agraciado.
 
No mais, é bom que sempre se esteja sujeito à inspirações, vivendo, lendo, lendo, ouvindo e assistindo tudo aquilo que há de mais bom gosto no mundo e esperar, quando for da vontade de Deus, que Ele haja além dos nossos limites, para fazer algo muito maior do que o que nós podemos fazer, porque seu amor por nós, diferente de nós, não conhece limite.

Liberdade aos passarinhos!

alimentador- passaros Existe uma coisa que eu tenho horror, chegando quase ao ódio, é quando colocam pássaros em gaiolas. Chego até a pensar que é uma inveja inconsciente de não poder voar, aí, para saciar, impede o animalzinho de fazer aquilo que ele foi criado pra fazer.

Tá bom, alguém pode dizer que é para admirar ou para ouvi-lo cantar, já que é difícil alguém prender um passarinho feio ou que não cante, ou então comparar com animais que se comem. Bem, se uma pessoa estivesse faminta e só tivesse uma arara-azul para comer, nem crime era.

O negócio é que a pessoa quer admirar um passarinho e não pode, porque ele vive voando, por isso, prende na gaiola. Já alguns, para não prender o bichinho, fazem o pior: quebram as asas. Arranque a língua do seu cachorro ou a cauda do seu gato, infeliz!

Se não tivesse esse tipo de gente sádica, não teríamos tantos pássaros em extinção! Quer ver um raro, a viagem custa a metade do preço dele, aposto que vai ser inesquecível. Outro não tão raro, coloca aquele negocinho com água e açúcar que eles vão atrás. Já vi tantos na casa da minha avó por causa disso... Melhor ainda! Encha a casa de flores!

Eu me guardo na minha vontade, mas quando vejo um passarinho preso, tenho vontade de colocar o dono dentro da gaiola e o passarinho fora, pra ele ver o que é bom pra tosse!

O amor a si mesmo

hug1 Fazer um exercício físico, cuidar da saúde, ir ao médico, tomar medicação, passear, dar uma curtida na natureza, ler, adquirir uma boa cultura frequentando a cinemas e teatros, ter bons amigos, rezar, ir à missa e também a grupo de oração, não seria tudo isso também o cumprimento de um mandamento?

Dormir um bom sono para quem precisa, não seria cumprir o mandamento de amar-se a si mesmo? Jesus disse “amai ao próximo assim como a ti mesmo” como condição de amar ao próximo, ou podemos fazer uma leitura diferente, como se ele tivesse dito: amai ao próximo, como também ame a ti mesmo? Prefiro essa segunda leitura.

Amar-se, sim, não como vaidade ou orgulho, mas como verdadeiro sintoma daquele que cuida do corpo que é templo do Espírito Santo e da alma que é onde Deus habita. Amar ao próximo não exclui nosso amor a si mesmo, pelo contrário, devem viver harmonicamente, sem que um anule o outro.

Entretanto, existe um amor que deve vencer o amor a si mesmo e é uma razão pra desprezar até esses sintomas que foram ditos anteriormente: é o amor a Deus, que deve ser maior do que tudo. Sobre todas as coisas, todas as pessoas e até sobre a si mesmo. Por isso o martírio. Pelo serviço e pela causa de Deus podemos até deixar de nos cuidar, que não vai deixar de ser amor, mas vai ter ainda mais valor.

Aliás, o amor ao próximo já deve vencer o amor a si mesmo, de modo que Jesus disse que “não há amor maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos”. O amor a si mesmo deve, sim, existir, mas é o último na fila: primeiro a Deus, segundo ao irmão e só por último, a si mesmo. Mas esse amor a si mesmo, mesmo sendo o último, deve existir, até como prova de amor ao irmão que corresponde ao amor, e a Deus que quer esse amor mais do que tudo.

Parábola do bom ateu

[1] Certo jovem descia da universidade para sua casa quando caiu na mão dos malfeitores, aqueles que falam demais. Estes arrancaram-lhe tudo que tinha de amor próprio, espantaram sua autoestima e foram-se embora, deixando-o querendo morrer.

[2] Por acaso, encontrou um sacerdote tradicionalista pelo caminho. Ao conversarem, despediu-se dele com desgosto, porque descobriu que gostava do socialismo. [3] O mesmo aconteceu com um consagrado de uma comunidade sequer. Conversou um pouco e disse que aquilo era a cruz que ele tinha que carregar, que era sua via de salvação aceitar toda aquela condição, que era vontade de Deus.

[4] Mas um ateu, que o conheceu por causa de um trabalho na universidade, chegou perto dele, viu seu sofrimento, e movendo-se de compaixão, [5] começou a conviver com ele, levou-o para sair, para a praia, para se divertir. Apresentou uns amigos e mais umas amigas e convidou-o várias vezes para sua casa.

[6] Depois de um tempo, vendo a necessidade do amigo de um tratamento psiquiátrico, entrou em contato com um especialista conhecido, recomendando: “Olha, esse meu amigo precisa de ajuda, toma conta dele aí que eu pago o que for preciso”.

Não sou um adododeta

cruzadas Ai de mim quando me achar superior por ser cristão. Cristo veio para os piores, e se Ele me escolheu, aí está um sinal de quem é verdadeiramente inferior. Jesus é Deus e se humilhou numa morte na cruz. Pergunto-me, pois, quem sou eu para querer me impor? Jesus se fez de cordeiro indefeso e morreu na cruz. Posteriormente, o sangue dos mártires fez a Igreja crescer de forma assustadora e inexplicável. Eles também eram cordeiros indefesos e o sangue deles deu ao mundo o testemunho e a vitória do amor, sempre com o auxílio do poder do Espírito Santo.

Não defendo a verdade, ela se prova. Não adianta insistir que o céu é vermelho quando ele por si demonstra a cor que aparenta. Assim, a verdade, por mais que defendida, imposta ou o que for, só é mesmo verdade se se provar em vida, na realidade. Imagino Deus ao meu lado e eu o defendendo... Isso não faz sentido. Se está dito que a sabedoria de Deus é loucura para os homens, é porque, ora, isto é verdade, mas a mediocridade dos homens querem fazê-la racional e humanamente racional, quando é algo impossível.

Se eu viver a verdade, não só minha vida como minha morte há de provar, pois Deus, que é verdade, não há de me abandonar. E eu não preciso sair por aí defendendo aquele que vai me julgar, é uma inversão de posições. O diabo acusa a qualquer um, mas na verdade ele não se atreve a tocar, só os humanos que insiste enganar, ludibriar, já que são burros. Se Adão se fizesse de surdo e não quisesse conhecer, não teria pecado.

O cristianismo não é superior a nada, nem veio pra isso. A verdade não é uma teoria, a verdade é Cristo e que o homem tem esperança, esperança de viver eternamente, esperança de ser feliz, de ter alegria mesmo com tanto sofrimento. A esperança da vida eterna e de ser um só com Deus, de ser redimido além dos defeitos, sem se preocupar com merecimento. A verdade é que o homem, criatura, é amada além do tempo.

Portanto, quantas vezes quiserem eu defendo, na verdade, que quem ficar por aí discutindo teorias só se passa por ridículo, e um ridículo perdedor de tempo. Pode não ser burro, mas é insensato, provido de qualidade intelectual, mas desprovido de sabedoria e inteligência espiritual. Só não é inútil porque Deus é misericordioso. Eu não quero ser um, por isso que Ele seja comigo piedoso e que eu não caia na cegueira, na grande baboseira de ser um arrogante.

Explicando o amor de amor

A-true-love-story-never-ends Amor de amor é assim, porque não é amor de paixão, não é confusão. É rocha, não areia do mar que se move com o bater das ondas, efêmero como si só. Não, é amor de amor.

Esse amor é como um barquinho que é lançado no mar, que tem tudo para ir e jamais voltar, mas, não se sabe como, volta ao mesmo posto. Não se importa com correnteza, nem com ondas, nem com o vento. Nem, ao menos, na tempestade, afunda. Sobrenaturalmente se inunda em si mesmo e sobrevive além das circunstâncias, além da distância e do tempo.

Ele é filhote que briga. Filhote? Será que filhote briga? Ele nem sabe direito o que faz, e a mordida se confunde com brincadeira. Mágoa entre eles não acontece, e o que era para causar mágoa e desgosto, a contragosto, se dissipa, efervesce e dá mais cor e sabor. O sabor do amor provado e comprovado.

Ele é um beijo sem laço, ou laço sem beijo, porque não precisa nem de abraço. Ele existe por si só e subsiste inteiramente. Ele é atado, fixo, permanente. Nó cego de nascença, sem cura, sem resolução, sem recurso. Mas um processo em curso, em latente evolução. Crescimento-construção.

Ele é perfeito, além dos perfeitos. Ele é amor, e o amor é o único sinal resquício de perfeição que o ser humano possui, é só o algo que ele tem de perfeito. O próprio Deus-Amor que vive e morre dentro dele. Essência perfeita, e quando esse perfeito se encontra com outro perfeito, entra na eternidade e não sofre os efeitos da morte.

Ele é um trenó que anda sobre o gelo e não congela. Trenó de fogo que o derrete, ao contrário do que se espera. Ele é vivido, não só dito, e se dito, é só para se ver, porque ele mesmo se deixa notar. É sentido e esse sentir que não se contém, e quando não se age a confirmar, se diz, porque nada mais pode se fazer.

O amor, como perene, não perde o gosto. Chega o calor e ele derrete, vira fondue gostoso, e se sólido, outro sabor acontece, mas, do mesmo modo, é saboroso. É perene, saboroso e livre, diferente da paixão. Já passou por todo tipo de comprovação e não se há como fugir, mas se render e dar graças a Deus, porque se é esse amor de amor, o Amor em pessoa é Deus, e só dele pode ter vindo, então, foi Nele que nasceu.

E se eu fosse comunista?

Dark Ages

Sempre houve estrago quando se misturou religião e política, e não está acontecendo diferente. Jesus ter dito a todos que se deve dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus parece não convencer. Ainda querem estabelecer o próprio reino neste mundo e não o de Deus.

A política, para uns a arte da conquista e da manutenção do poder, e para outros, a arte da coletividade, se infiltra no meio da Igreja e quer dizer, por causa dela, agora, quem é e quem não é Igreja. O pior disso tudo é dizer que uma pessoa está excomungada por votar em determinado partido por causa de certa posição política ou ideológica, não bastasse a a privação da liberdade de que acontece, isso se faz a nível de Brasil, um lixo em termos de política.

Fala-se do socialismo para lá e socialismo para cá, e pergunto eu, onde é que se viu escrito uma realidade semelhante ao do socialismo? Não foi nos atos dos apóstolos, na comunidade dos cristãos? Pior ainda, muito antes dos avós de Karl Marx pensarem em se casar, um santo mártir da Igreja escreveu um livro que descrevia algo muito semelhante à ideologia socialista em seu fantástico livro “Utopia”. Seu nome é São Thomas More. Agora uns que dizem que leem filosofia demais e parecem raciocinar de menos, colocam tudo que é socialismo e comunismo no mesmo saco, chamam de marxistas a todos e querem excomunga-los da Igreja.

Pior ainda, alguém tem a ousadia em afirmar que um cidadão, só por votar em um candidato a favor do aborto, está automaticamente excomungado, isso porque compactua com a ideia do aborto. Pelo amor de Deus! Isso é um completo absurdo, e são tantos os motivos que vou tentar descrever ao menos alguns: tem gente que nem sabe que o candidato é a favor do aborto; tem candidato que diz ser contra o aborto só para angariar votos (não fez isso a presidente Dilma Roussef?); não é concreto que o aborto vá ser autorizado por causa daquele candidato; a grande parte da população não entende nada de política, inclusive esses que estão falando em excomunhão!

Não fosse bastante essas razões óbvias, querem agora dizer que, se realmente votar em algum candidato abortista é compactuar com a ideia do aborto, isso ainda é capaz de excomungar. Existe crime “in abstrato”? Alguém comete um crime ou pecado antes de ele sequer ser cometido? Por exemplo: se eu sou a favor de que se mate Lady Gaga, eu carrego a culpa da morte dela, se por um acaso ela for assassinada? Ou eu cometo o crime e cometo um pecado gravíssimo somente se for eu o executor? Esse ser humano que por um acaso é a favor do aborto tem um mínimo de direito de ser convencido! Ou agora estamos voltando à Idade Média e ninguém tem liberdade de pensamento e de convencimento? Será que Jesus se agrada disso?

É por essas razões que sou pessoalmente compelido, mesmo sendo contra qualquer tipo de socialismo ou comunismo, a defender irmãos que estão sendo segregados por outros membros irmãos da própria Igreja. Muitos que amam a Deus e à Igreja estão se sentindo culpados e perseguidos por estes que privam suas liberdades, impedem suas consciências de exercer um livre ato e acabam, infelizmente, por sofrer verdadeira lavagem cerebral. A Igreja não é só o Papa em Roma, ela também é a unidade e o amor entre os cristãos nas mais diversas localidades, e isso está sendo especificamente ferido por falta de inteligência e politicagem.

Comentário de Dom Henrique Soares da Costa, Bispo Auxiliar de Aracaju

Caro Igor, alguns dos seus argumentos não procedem, mas, de modo geral, compreendo o que você quis dizer: coloca-se contra aqueles que, de modo simplório, emanam decretos de excomunhão a torto e a direita. No objetivo geral, você está correto. A Igreja não excomunga ninguém por votar neste ou naquele candidato. Educar os cristãos para uma sadia e consciente participação na vida política é dever sim da Igreja, pois somos chamados a ser sal da terra e luz do mundo, mas respeitando, certamente, a autonomia própria das realidades seculares.
Infelizmente, na Internet, com toda boa vontade do mundo, aparecem cristãos zelosos e com reta intenção que, no entanto, desenvolvem um linha de pensamento extramente simplista que, no fim, não expressa de modo algum a posição da Igreja nem do Papa. Não vejo por que seu artigo poderia provocar tanta polêmica...

No entanto, também é verdade que um cristão deve ter o cuidado de observar e refutar o programa de partidos políticos que sistematicamente defendam ideias contra a moral cristã, sobretudo no tocante à defesa da vida, do matrimônio e da sexualidade. Dar pura e simplesmente poderes a tais partidos seria contribuir para um ordenamento legal no País que contraria os valores humanos e cristãos, ajudando no processo de desumanização e desevangelização da nossa cultura.

Deus o abençoe.

O príncipe de Maquiavel

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Certa vez eu emprestei um livro de Maquiavel, famosíssimo, chamado “O Príncipe”, e não me foi devolvido. Pergunto-me por quê. O que demais esse livro tem? Que tantas “verdades” são capazes de fazer um ser humano não me devolver um livro que custa dez reais pelas livrarias? Se fosse um “Imitação de Cristo”, um “Irmão de Assis”... ainda teria alguma explicação, já que são livros indispensáveis e tem gente que tem preguiça de dar uma passada em uma livraria, mas Maquiavel tem em todo lugar!

Eu fico é pensando no verdadeiro Príncipe, o Príncipe da Paz, porque se eu escrevesse um livro com tal nome, só poderia ser sobre ele. Mas o conteúdo iria ser tão diferente... Esse outro é príncipe da guerra, consegue as coisas matando todo mundo e vendo todo mundo como maldoso. Ainda que seja verdade que as pessoas são maldosas, mas isso não é justificativa para a prática da maldade.

“Prefiro ser temido do que ser amado”, diria o príncipe falso. Eu não consigo entender quem se sujeite a esse príncipe, já que agir pelo temor é agir sem liberdade. Como um ser humano pode gostar de um livro que ensina aos seus governantes a tirar-lhe a liberdade? É fazer muito papel de babaca... O Príncipe da Paz age na liberdade e ainda é capaz de perquerir aos próprios seguidores se querem voltar atrás. Ficaria sozinho pela verdade que é a sua vida.

Verdade... Tem tanta coisa disfarçada de verdade nesse livro, que acaba sendo uma tremenda mentira. É claro que a parte histórica é verdadeira, inclusive a que fala mal da Igreja, mas é só por um ponto de vista. Nesse ponto, é aceitável e útil, porque aprendemos, nós que somos membros, a amar a Igreja independente de seus demais membros ou pastores. Afinal, quem nunca pecou que atire a primeira bala.

Mas, o grande veneno mesmo é o tal do utilitarismo, esse que diz que “se for para o bem da coletividade, os fins justificam os meios”, ou, em outras palavras, “se eu balancear e ver que o final tem mais valor que o que eu abri mão por ele, vale a pena ir por esse caminho”. Essa maldita ideologia me fez fazer muita besteira e só Santa Teresa d’Ávila bateu o ponto final na dúvida e disse que nenhum pecado é justificável. Descobri que isso é desculpa de preguiçoso ou mesmo de retardado intelectual, como se pensar cansasse o corpo. Sempre há uma saída honesta, e se não houver, aí mora o martírio, e onde está o martírio, está o heroísmo. Por isso, para quem sempre sonhou ser um super-herói, como eu, existe um caminho muito fácil, sem precisar de super poderes, é o sacrifício de si mesmo.

Hoje eu vi o pai desse que não me devolveu o livro e pensei em escrever este texto. Não para pedir-lhe de volta, mas para dizer que não quero mais. Não preciso mais dele. Já tirei o que dele foi bom e foi muita pouca coisa. Afora isso, bem me foi útil o amor, a proteção e a graça de Deus, porque se não fosse, essa obra me levaria ao fogo eterno do mal.

O elogio

Blind Man's Bluff  Um dia eu fui elogiado. Não um elogio qualquer, desses que a gente recebe ao longo do dia, foi um inesquecível, por todas as circunstâncias, pela honestidade e pelo critério. Dele não esqueço mais.

Era uma colega de trabalho (ela que trabalhava e eu era um simples estagiário), que pelas vicissitudes da vida, havia se tornado deficiente visual. Aliás, dela sinto saudade, e é daquelas pessoas que sentimos falta dela, porque não há de nos ser muito útil, pelo contrário, nós temos que nos fazer obrigados para com ela. Sinto falta daquele ser humano, quer dizer, de todos naquele ambiente, não desfavorecendo a amizade por ninguém, é dela que sinto mais.

Ocorre que, certo dia, num daqueles intervalos de repartição pública em que todos se amam, iniciou-se uma conversa sobre mim – não lembro exatamente sobre o que era. Talvez porque o que aconteceu ali me marcou demais para que me lembrasse de qualquer outra coisa. Foi que, no meio da conversa, a minha amiga soltou um “Igor é lindo!”. Sei que houve mais conversas depois disso, mas aquele momento foi único em toda a minha vida.

De fato, o que me marcou foi que ela usou aquela figura de linguagem, a mais poética de todas: a metáfora. Ela em momento algum estava preocupada com aquilo que é exterior, sensível, visível, nem falava disso, embora os outros participantes tenderam por dar essa conotação, afinal, esse é o nosso costume, o dos que não enxergam.

Sinceramente, ainda não reconheço a razão do elogio, porém foi marcante. E por ele pude constatar: quem não vê, enxerga muito mais daquilo que verdadeiramente tem importância. Queria que todos pudessem assim enxergar, até mesmo eu, porque vejo bem demais e também sou dado a esse negócio de formosura. E é por essa razão que essa minha irmã não só me deixou curado, mas também constrangido.

A realidade do mundo

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Sabe algo que parece ser inteligente, mas é a maior insanidade que pode existir? É a não conformidade com a realidade. Não entendo porque a rebeldia é tão exaltada, se ela é tão débil. É claro, todos nós passamos por um tempo de ajuste entre o queríamos que fosse o mundo e o que realmente é, mas, o mais forte sempre vence, e a verdade é invencível.

Algo de bom existe no inconformismo, além da vontade santa de que as coisas sejam diferentes, é que isso é sinal de que existem uns valores muito mais do que universais, mas apriorísticos, eternos, e que nós temos sede desses valores. É como se nós estivéssemos estado em algo perfeito e quiséssemos que tudo retornasse a este estado.

Entretanto, existe algo de destruidor, de terrivelmente maléfico. É a má esperança, a esperança no mundo, nas pessoas, essa esperança sempre decepciona. O inconformado sempre espera que as pessoas vão mudar, que o mundo vai mudar, enfim, que a realidade em sua volta será transformada. Infelizmente, essa esperança engana.

É tolo esperar que os crimes deixem de ser cometidos, que comecemos a ter paz e segurança, é tolo esperar por um mundo melhor. Muito mais tolo é lamentar quando isso não acontece. Tolice, insensatez... imaturidade. Essa rebeldia frustrada e murmurante pertence a uma juventude imatura que faz sucesso um dia e no outro se suicida com um tiro de doze.

"Porque a vida não é mais fácil? Porque as pessoas não se amam? Porque?!" Sério, não sei nem se Deus suporta essa atitude e esse discurso. Não é pessimismo esperar ser decepcionado, não é pessimismo não esperar que o mundo melhore, isso é a realidade. As coisas, por si mesmas, não vão melhorar, elas dependem sempre de algo ou de alguém.

Esse é o sofrimento de estar nesse mundo, sofrimento que não sei como suporta aquele que não tem Deus. Como suportar viver sem a esperança de um amanhã, a esperança da paz eterna? Como sobreviver sem respirar e saborear aquilo de onde nós viemos e para onde vamos? Como conseguir viver sem Deus?

Conhecendo o pouco que conheço dele, não sei como poderia viver sem meu melhor amigo, pai e companheiro de dança. Não sei se poderia sobreviver sem a verdadeira esperança, de que se Ele não pode forçar nosso mundo a ser melhor, faz-se a si mesmo de mundo para nos habitar, e daí vem a Paz.

Este mundo é cruz, e a ressurreição só vem depois. Não se pode esperar ressurreição durante a cruz. Inteligente é quem aceita, abraça e espera cruz. Especial é quem ama a cruz e se não consegue mudar o mundo, faz, ao menos, o seu mundo e o mundo de quem está em sua volta um mundo melhor, não por esperar, mas por ser e fazer acontecer a paz. 

Shalom!

A humildade substancial

bosque-716318 Lá ia o jovem pensador caminhando pelo bosque, daqueles cheios de flores e lindos arbustos, pássaros voando e cantando e alguns animaizinhos pelo chão. E ele fazia aquilo que quase mais gostava: pensar. Quase, porque o seu pensar, perdia imediatamente para amar e, logo em seguida, para a oração. Este primeiro prazer seu, de fato, permitia a Deus iluminar o restante.

Naquela ocasião, estava pensando em Deus e naquilo que vem Dele. Pensava nos dons, na realidade das curas, dos milagres, da oração em línguas, das profecias; e também naqueles dons “para si”, como fortaleza, prudência, piedade, ciência e inteligência. Vinha-lhe em mente aquilo que sempre ouvia dos pregadores e lia nos livros de formação, que esses dons espirituais provêm de Deus, que deles somos administradores e não podemos nos gloriar. O rapaz tramitava em sua mente, que aquilo era óbvio demais, e que precisaria ser muito burro ou orgulhoso demais para não se tocar disso.

Não satisfeito, continuou o raciocínio. Foi voltando, para o que foi que Deus deu ao homem, se foi tão somente os dons espirituais e se é só deles que devemos ser meros administradores. Chegou, em primeiro lugar, na vida: “Não foi Deus quem a deu? Por que não somos também meros administradores dela, e não donos?” – Achou coerente e foi mais além: “A liberdade foi Deus quem deu, e realmente dela não somos donos, já que não se pode viver uma vida de pecado e se ir para o Céu pelo mero arbítrio. Também a liberdade é administrada”.

Estava gostando de onde estava chegando e foi além. O mundo foi Deus quem deu: os animais, as florestas, os bosques, as águas, os rios, os mares e tudo mais que existe. Então a humanidade é administradora de tudo isso, e de propriedade mesmo, não tem nada como sua.

Já começava a abrir um sorriso de orgulho da sua inteligência, quando, seguindo o mesmo raciocínio, deparou-se com a verdade: sua inteligência também foi dada por Deus, já que, no mínimo, ele é o motor inicial de tudo e tudo veio dele. Percebeu, pois, que dela não poderia se gloriar, mas que era razão de dar glória a Deus. Lembrou-se de sua namorada, até porque preferia ficar com ela a pensar, e da beleza dela, e que nem ela, por ser administradora, nem ele, como primeiro admirador, poderiam se envaidecer, mas só poderiam dar glórias a Deus por isso.

Com seu pensamento completamente comprometido pelo encadeamento que se formou, percebeu que sua visão perfeita que o permitia ver a beleza das coisas e das pessoas, inclusive da sua namorada e até a sua mesma, era dada por Deus. A sua fala e todos os seus sentidos também. Percebeu que suas virtudes não vinham de outro lugar... Pensou também nos defeitos, mas que eram resultado do pecado.

Enfim, encheu-se sua mente e, absorto, torporizado, estático, deitou-se no chão e começou, finalmente, a dar glórias a Deus por tudo isso, inclusive por estar ali vivo e ser filho Dele.

O espelho

Poema agraciado com o 3º lugar no Premio Poetize 2013 - Concurso Nacional de Novos Poetas.
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Cansado, desmotivado,
Buscando forças pra se levantar.
Empilhado sobre si mesmo,
Sem ter nem saber onde se guardar.
 
É o homem sem pai, sem luz,
Um cristo enterrado numa cruz
Que não sabe nem pode carregar.
Esse homem grita de desespero:
 
-Pai! Dá-me alguém para quem possa olhar!
E sua paz retornou com o breve apelo:
-Filho, se queres em quem se espelhar,
 
Levanta-te! Fica inteiro!
Põe-te de pé defronte ao espelho
E dá a ele a imagem que desejar.

Conversa entre pai e filha



              “Papai, o que é esse têzinho que tem pendurado nesse cordão do senhor?”
              “É um ‘tau’, a letra ‘t’ na língua grega. É a primeira letra da palavra humildade em grego. A palavra se fala ‘tapeinosis’. É o sinal da minha consagração a Deus.”
                “Como você conseguiu, papai?”
                “Foi com muito esforço. Passei por muita provação... Demorou, mas eu consegui.”
                “E por que é um “t”? Por que é assim?”
                “É assim, minha princesa, porque eu tenho de me lembrar de que eu não sou nada, e que tudo que tenho e sou, inclusive você, é graça de Deus.”
                “Por que é pra fora? Assim, poderia ser que nem o cordãozinho que eu uso, o que o senhor me deu, por dentro da roupa...”
                “É assim para que todos vejam, minha filha... Me obriga a dar testemunho. Pensa comigo:  Você tem a sua farda da escola... Aí, certo dia, você, traquina, decide dar uma saidinha da escola. Consegue fugir e logo é pega por um dos seguranças e ele leva você de volta. Na outra semana, você vai tentar de novo, só que dessa vez pega uma camisa, coloca escondido dentro da bolsa, e troca bem rápido depois que sai.”
                “Eu nunca faria isso, papai...”
                “Eu sei, meu amor, e é por isso que eu estou dizendo. Bem, porque você não estava com a farda, nenhum segurança pega, depois sua professora dá conta da sua falta e fica desesperada, liga pra mim e eu fico também...”
                A filha ri, como sempre faz, quando é seu pai fazendo uma piadinha, mesmo que seja a mais sem graça...
                “Mas, é assim... Se eu não usar, e vier a pecar em público, ninguém vai saber que eu sou um consagrado, não vão pensar mal de mim. E é por isso que eu uso, para mostrar o que eu sou e para dar testemunho do que eu sou.”
                A filha olha para o seu papai com os olhos brilhando de admiração, porque o herói dela quer ser santo. E o pai continua, só que agora um tanto inspirado.
                “Meu amor, eu sonho que, se for da vontade de Deus, você também venha a se consagrar um dia. Mas, eu quero que você escute isso que eu vou dizer e que nunca se esqueça. Promete que não vai?”
                “Pode dizer. Eu prometo, sim.”
                “Você vai ficar mais mocinha e vai entrar no grupo de oração de jovens. Lá você já vai ter de ser humilde. Talvez se apaixone mais por Jesus e vai querer entregar a vida a Ele. Se quiser, você vai ter de fazer todo o caminho, mas nunca vai se orgulhar, nem desse desejo.
                 Vai ser vocacionada e vai se preocupar em se fazer menor do que todos os que não são vocacionados. Depois, se entrar na comunidade, se nela for, vai ser postulante. Quando for postulante, vai se preocupar em se fazer menor do que todos os vocacionados. Depois, se tudo correr bem, vai se tornar discípula e vai receber um primeiro sinal parecido com esse que eu uso, mas vai se preocupar em se fazer menor do que todos os postulantes. Depois de muita luta e amadurecimento, vai chegar à consagração: minha filha, você vai se fazer menor do que todos esses. Se um dia, quem sabe, por graça de Deus, e eu rezo por isso, você chegar a fazer votos perpétuos, depois eu vou explicar direitinho como é isso... você vai se fazer menor do que todos, até mesmo os outros consagrados.”
                “Papai, isso é muito difícil.”
               “Quem disse que não, minha princesa? É difícil sim, mas, se quiser usar um sinal desse com toda sua dignidade, terá de ser assim.”

A mentira da(s) mentira(s)


Relativizar o relativismo. Mentir a mentira. O pressuposto do mundo moderno é o de que a verdade não existe, só assim todos conseguem se aceitar sem entrarem em conflito. Ora, sicrano diz a verdade e fulano também, portanto, respeitam-se nas suas verdades. Essa paz exterior se justifica? Esse utilitarismo também é relativista. Vivemos, na verdade, o mundo dos sofistas. Aqueles vencidos por Sócrates, Platão, Aristóteles e Cia, hoje, são os vencedores. Parece que eles têm razão. Mas, parecer é pressuposto de verdade?
Vamos ver se os argumentos se sustentam quando confrontados com eles mesmos. Não vamos atrás de outras refutações mais óbvias, vamos ficar simplesmente na lógica da coisa. “Tudo é relativo!” – Se tudo é relativo, essa afirmação de que tudo é relativo, é relativa? Se tudo for relativo, a própria expressão que afirma que tudo é relativo tem sua ressalva, então, por ela mesma, existe algo de absoluto. Mas, se existe algo absoluto, nem tudo é relativo. Portanto, a própria afirmação não se sustenta. É impossível que tudo seja relativo, porquanto a relativização do relativo acarreta no absoluto.
“A verdade não existe!” – Será isso verdade? Se a verdade não existe, e essa afirmação for verdadeira, então a verdade existe! A verdade é que a verdade não existe! Outro argumento que não se sustenta. Obviamente, a verdade é algo mais do que necessário. Se for verdade que a verdade não existir, chegamos ao ponto de duvidar da própria existência e ter a necessidade de lembrar que penso, para que possa existir. Ora, isso é loucura! Diria eu: “penso, sinto, imagino, cheiro, ouço, vejo, falo, comunico-me, abraço, amo, por isso, é claro que eu existo”! É o tolo que, levado pelo relativismo, e é a consequência imediata desse conceito, questiona a própria existência. Lá vai o débil pensar: “Será que eu existo, será que o mundo é uma mentira? Minha mãe existe? De onde eu vim? Para onde eu vou?” – E a baba descendo de sua boca.  Ainda ,em contraposição, confirmando a afirmação de que a verdade não existe e dizendo que esse argumento não é verdade, chegamos à conclusão de que a verdade existe.
Não existe uma só verdade, na verdade, elas são muitas. Bem, esse argumento não é demente, mas completamente esquizofrênico! Vamos para suas consequências: Bem, eu sou cristão e acredito que Jesus morreu na cruz por mim para que fosse salvo dos meus pecados dos quais eu mesmo não posso, por mim mesmo, nem me livrar, nem me salvar. José acredita no espiritismo, no qual, Jesus é um ser de luz, incrivelmente evoluído, e que todos vão se reencarnar. João acredita no budismo, que nem fala muito de Jesus, já que Sidarta Gautama parece mais com São Francisco. Joaquim é judeu, e crê que Jesus é só um profeta, e que, na verdade, ele ainda vai vir. Entre outros, enfim. Afinal, quem é Jesus? Se tudo isso for verdade, Jesus é uma pessoa bem complexa: é um espírito de luz, um simples profeta, ninguém, e Deus ao mesmo tempo. Pior que isso, se considerar tudo isso como relativo, eu vou para o Céu, assim espero, José vai reencarnar, Joaquim vai para a mansão dos mortos, e João, não sei para onde vai. Bem, se isso é verdade, tudo vai acontecer ao mesmo tempo. Vivemos em universos paralelos e, não se sabe como, eles se conectam. Pior, se considerarmos todas sendo verdadeiras, no final das contas, nenhuma é, e voltamos para o absurdo anterior.
Alguém pode se perguntar: “Como argumentos tão fracos podem ser tão fortes?”. – Simples, eles são convenientes. Imagine a verdade existindo no Direito, muitos advogados vão perder a profissão, por não terem mais o que fazer. Imagine a verdade existindo na política: ninguém vai querer ser político, porque esse não vai ter vida e vai viver preocupado com todos. Imagine a verdade nas religiões: muitas vão ter que acabar. A humanidade, em geral, não dá nenhuma importância à verdade, sim ao bem-estar, a si mesmo. A verdade, por mais das vezes, é inconveniente, por isso não é contada.

A misericórdia


O jovem filósofo estava em prantos, ajoelhado ao pé da cama. Seus erros não cabiam em seu coração. Não suportava sua imperfeição. Por mais que tentasse, sempre caía no mesmo erro. Por mais que não quisesse, excedia-se e cedia à menor das tentações. Eram mil coisas acerca disso que mutilavam seu ânimo em pensamentos, e ele chorava.
Chorava aquele choro de angústia, sem lágrimas, pois não suportava mais a si mesmo. Da pobreza, por a simples oferta de um livro bom, esquecia, a obediência era sobrepujada quase sempre pela sua inquietude e impulsividade e, como se não bastasse, por pouco ou nada perdia aquilo que chamam castidade. Comparava-se sempre com os outros, com os santos, com Cristo, e se via demasiadamente distante. Não conseguia se aceitar. Até que, repentinamente, dentro de si, ouviu algo como que uma voz a dizer: “Meu filho, por que você está triste?” – Logo uma paz imensa invadiu o rapaz, mas não adiantou de muita coisa aquelas palavras, pois para ele, o dono daquela voz sabia muito bem o que estava acontecendo.
A voz, entretanto, insistia: “Meu filho, se eu sou infinito, minha misericórdia é infinita, se eu sou eterno, também é eterna a minha misericórdia”. – O garoto, atrevido como era, questionava, dentro de si, o que significava aquela misericórdia infinita, mas, ao mesmo tempo em que isto fazia, em seu coração vinha a resposta: “A misericórdia de Deus é infinita porque não tem limites. Por maior que seja o pecado, sobrepõe-no a sua misericórdia”. – Não bastasse a surpresa de estar compreendendo coisa tão grandiosa, aquele entendimento insistia: “Essa misericórdia também é infinita porque nunca se acaba, não tem início nem fim, e não tem nada que a supere ou destrua”.
Outra pessoa se daria por satisfeito, por tão grande honra recebida, mas aquele garoto era arrojado demais para isso. Acontece que indagou, interiormente: “E por que é eterna?” Simultaneamente, a resposta veio: “É eterna porque existe em si mesma, porque está para além do tempo e de qualquer coisa terrena e material. A misericórdia de Deus é. Deus tem misericórdia antes, durante e depois da desobediência; Deus tem misericórdia além da desobediência. Deus é misericordioso, e o objeto dessa misericórdia não é o pecado, mas o pecador, independente de quem seja e de qual seja o pecado. Por isso é eterna, porque ela é”.
Aquela paz, já invadida, plenificou-se. Aquele rapaz sabia, por tudo que já tinha vivido, que essa didática do amor, da paciência, do perdão, da misericórdia, era coisa que funcionava perfeitamente. Quando agia por amor, não por obrigação, nem por imposição, tudo funcionava sem maiores obstáculos, e era por isso mesmo que ele sentia tanta dificuldade em viver, porque ninguém era assim consigo. Mas, o que acabara mesmo de descobrir, é que existia alguém que era, que é e que sempre será, e aquilo o confortava de modo indizível. Na verdade, inefável mesmo era aquela experiência.
Só uma coisa inquietava aquele jovem coração. Era que aquela paz que ele sentia, a tantos outros faltava, aquela misericórdia recebida, tantos a desconheciam e, aquela voz que ele ouviu, tantos nunca ouviram. Seja por culpa de si ou de outrem, havia no mundo outro jovem que não sabia nem que Deus era misericordioso, e muito menos no que consistia essa misericórdia. É a dor de saber, porque ele sabia, que a misericórdia de Deus pode ser infinita e eterna, mas o homem pode não acolhê-la em seu coração. Ela é sem limites, em si, mas o homem pode limitá-la à sua vida, se assim quiser. É que aquelas palavras transmitidas por aquela voz, entraram em seu coração como uma sublime música, mas tantos nunca tiveram a oportunidade nem de conhecer o que elas diziam.

A Justiça do Perdão


É normal se pensar em querer justiça e não perdoar, não perdoar enquanto não tiver justiça ou não perdoar por justiça. É muito comum dizer que perdoar é sinônimo de fraqueza e quem faz isso sempre é um bonzinho, isso no sentido pejorativo mesmo, porque o que se quer chamar mesmo é de abestalhado. A moral comum é de que o melhor é ser esperto, um tanto malicioso, maquiavélico (no sentido de ver a todos como maus). Mas, será isso mesmo?
Será fácil ir de encontro com a própria natureza? O homem é orgulhoso por natureza, um tanto maldoso até e o normal mesmo é se proteger e devolver na mesma medida ou até com mais força para se impor, quando for atacado ou ofendido (algumas vezes só na imaginação da suposta vítima). Ir contra a natureza, isso sim, é para os fortes. Vencer a si mesmo não é para qualquer um. Conter-se e não devolver, ceder a outra face, para isso faz-se necessário esforço sobre-humano. Sim, é muito mais fácil dizer que não ser orgulhoso e vingativo é ser fraco, afinal, quase todos são.
E quanto a perdoar ser injusto... Não é bem assim, não. Em primeiro lugar, senso de justiça é o que comumente não se tem, é quase um dom sobrenatural conseguir ser bem justo, sem procurar tirar vantagem para si, isso requer muita humildade e esforço. Desse modo, geralmente, quando se procura a vingança, acaba-se excedendo as proporções e essa desculpa da justiça pela vingança morre aí.
Não perdoar enquanto não houver justiça, aí sim o que é mais comum para os bonzinhos. Diz-se isso, porque o bonzinho geralmente é o coitadinho, então, como coitadinho, ele só vai perdoar quando a pessoa que ele acha que o ofendeu pedir perdão, ou quando a pessoa for punida. E o que tem a ver perdão com punição? O perdão das pessoas, diga-se (não o perdão das instituições), porque para existir punição, tem de existir regras preexistentes e relação hierárquica. Assim, mesmo que alguém sofra um crime, a punição não tem a ver com o perdão. Quem perdoa faz isso para o bem de si mesmo e a punição vai independer disso (exceto nos crimes de ação privada, se for se pensar no âmbito jurídico).
“Não vou perdoar, quero justiça!” - Diz o que se acha inteligente. Na verdade, o perdão é o único que é essencialmente e concretamente justo. Ora, todo mundo erra! Todo mundo é imperfeito! Aquele que não quer perdoar, com certeza e é certeza absoluta, também cometeu algum erro que, se fosse a vítima, não perdoaria a si mesmo. Todo aquele que não quer perdoar tem alguém de quem queria ser perdoado e, por essa razão, perdoar é um ato de justiça. Quem não quer perdoar, também tem de admitir não ser perdoado, e quem coloca limites no ato de perdoar, como se houvesse limites para errar, também deve dar o direito de não ser perdoado quando falhar repetidas vezes.
Seja qual for a razão, seja qual for a desculpa, não há razões para se negar o perdão e considerar-se justo. Pelo contrário, ser misericordioso é que é justo e coerente com a realidade humana falível, imperfeita. Os homens, ao longo do tempo, criam, inventam vários bordões e distorcem valores a fim de justificar o excesso de vaidade e a incapacidade de ser misericordioso, e, por isso, o que acontece é o contrário do que o que procuram dizer. Quem não perdoa, na verdade, é um tremendo de um fraco.

Da injustiça

3019978660_1dc0dffb68Justiça é só para o Direito? Só para os juízes, promotores e alguns advogados? Ninguém tem a capacidade de saber o que é justo, a não ser esses que vivem disso? Não. Os juristas vivem da lei, não da justiça. A lei pode ser injusta e a justiça, no direito, virou pretexto para o relativismo resumido no famoso bordão: “o que é justo para mim pode não ser justo para você”. Não, não é assim. O que é justo para um é justo para o outro, só que a justiça pode não ser do interesse de uma das partes. Não existe justiça só de um, justiça ou é ou não é.

Justiça. Essa palavra está tão em desuso que virou fantasia. Em toda petição se pede em nome dela, mas qual é mesmo a que pede justiça? O advogado quer justiça e mente em nome dela, o promotor quer condenar a todo custo e diz querer justiça também, e o juiz tem mão de ferro, condena todo mundo, e acha que é justo. Nesses tempos de hoje, em que deveríamos estar mais avançados, mais conscientes, acontece justamente o contrário, vivemos o tempo da supremacia dos interesses individuais, o justo, assim, foi deixado totalmente à parte, já que o que importa é o que interessa e favorece a cada um.

O que na realidade se gera por conta disso, é que a justiça de um país assim se abarrota de processos. As pessoas, manifestamente desonestas, praticam a injustiça esperando serem sujeitas a uma ação, contando com seus advogados para tentar ludibriar a mente do juiz e proteger seus interesses e com a demora do processo, o que vai desfavorecer o cumprimento da “justiça”. Se as pessoas fossem justas, não haveria tanta necessidade de um órgão para decidir quem tem razão, simplesmente quem não tem abriria mão dela. Mas isso, hoje é algo praticamente inexistente. Acontece é que grandes corporações, por meio da sua influência econômica, colocam seus juízes nos tribunais superiores e esses editam súmulas que favorecem seus interesses. Os bancos, empresas de telefonia, grandes montadoras e assim por diante, lesam direito sabendo que estão lesando e, ainda mais, conseguem por meio do seu poder, fazer que não estejam lesando a direito, fazer que o seu abuso seja legítimo, e tudo isso, lógico, que só se pode dar pela ação dos juízes.

Comete-se injustiças a pretexto de matar a fome, dar bons estudos aos filhos, e mais, na verdade, ter um bom lazer e ganhar bastante dinheiro. Esses nunca, jamais, poderiam reclamar de uma injustiça sofrida, porque seria pela mesma razão, assim seria justo. Mas, não, eles reclamam mesmo porque são injustos e não aceitam justiça contra si, nem que os pesos sejam equiparados, não. Sempre têm de estar por cima. Em todas as profissões com isto pode se deparar: médicos que só pensam em ganhar dinheiro e não estão nem aí para os pacientes (isso é o de menos), empresários que ludibriam os consumidores, servidores públicos que aceitam vantagem e dão preferência a uma pessoa ou outra, etc.

Se tudo isso não bastasse, as piores injustiças ainda são cometidas no âmbito da vida privada. Filhos injustiçados pelos pais, gerando consequências psicológicas para muito além de tudo isso, amigos injustos uns com os outros, namorados e ex-namorados, esposos e divorciados, familiares... Não se vê por aí gente tentando compreender os outros, custa muito pensar e na vida se tem muito mais preocupações do que parar para pensar se realmente se foi justo e correto com o outro. A família, a escola, a igreja, por essa razão, por muitas vezes, em vez de fazerem o papel de construção e de acolhimento do ser humano, fazem o de destruição e sofrimento deste.

Bom seria se cada um, no iniciar do dia, pensasse no que poderia ser justo, e no findar, pensasse no que foi injusto, a fim de consertar no dia seguinte. A vida em comunidade, sociedade, família e amigos, quão mais saudável, mais feliz, mais alegre seria, sem peso nem traumas. Mas, o que impede tudo isso é que, para preocupar-se em ser justo, deve-se antes disso, amar, e até o amor que se conta por aí é coisa totalmente injusta, egoísta.

O valor da humanidade

lirios

Que o complexo de culpa humano se acabe. Que deixemos, de uma vez, de vermo-nos como os culpados de tudo, como se fôssemos malditos traidores. Nós não somos culpados pela morte de um Deus.

Ele nos criou, quem o conhece reconhece bem isso. Ele sabe de nossas fraquezas, sabe das nossas limitações, e é por elas mesmas que nós temos a graça que não têm os demônios, a de nos arrepender.

Sabendo de tudo isso, até porque Ele escolheu ser assim, resolveu fazer-se homem, santificar toda a realidade que vivemos, mudar o sentido das coisas e a ordem do mundo sem usar de nenhuma prerrogativa majestosa.

Por isso, Ele jogou sobre si nosso peso, não como um peso, mas como amor. Valemos o sangue de um Deus, acima de tudo, livre. Ele não fez nada do que fez, por meio de seu filho Jesus, por que foi obrigado a ser, mas porque livremente se dispôs.

Para nós mesmos, em virtude da nossa falta de percepção, não reconhecemos o nosso valor. Mas, se é justo que o que muito valha muito custe, se Deus decidiu valer-se de sua vida, é porque para Ele não se pode medir o nosso valor.

Pausa para o Clássico (Gustav Radbruch)

 
radbruchCinco Minutos de Filosofia do Direito

Primeiro minuto

Ordens são ordens, é a lei do soldado. A lei é a lei, diz o jurista. No entanto, ao passo que para o soldado a obrigação e o dever de obediência cessam quando ele souber que a ordem recebida visa a prática dum crime, o jurista, desde que há cerca de cem anos desapareceram os últimos jusnaturalistas, não conhece exceções deste gênero à validade das leis nem ao preceito de obediência que os cidadãos lhes devem. A lei vale por ser lei, e é lei sempre que, como na generalidade dos casos, tiver do seu lado a força para se fazer impor. Esta concepção da lei e sua validade, a que chamamos Positivismo, foi a que deixou sem defesa o povo e os juristas contra as leis mais arbitrárias, mais cruéis e mais criminosas. Torna equivalentes, em última análise, o direito e a força, levando a crer que só onde estiver a segunda estará também o primeiro.

Segundo minuto
 
Pretendeu-se completar, ou antes, substituir este princípio por este outro: direito é tudo aquilo que for útil ao povo. Isto quer dizer: arbítrio, violação de tratados, ilegalidade serão direito desde que sejam vantajosos para o povo. Ou melhor, praticamente: aquilo que os detentores do poder do Estado julgarem conveniente para o bem comum, o capricho do déspota, a pena decretada sem lei, ou sentença anterior, o assassínio ilegal de doentes, serão direito. E pode até significar ainda: o bem particular dos governantes passará por bem comum de todos. Desta maneira, a identificação do direito com um suposto ou invocado bem da comunidade, transforma um “Estado-de-Direito” num “Estado-contra-o-Direito”. Não, não deve dizer-se: tudo o que for útil ao povo é direito; mas, ao invés: só o que for direito será útil e proveitoso para o povo.
 
Terceiro minuto
 
Direito quer dizer o mesmo que vontade e desejo de justiça. Justiça, porém, significa: julgar sem consideração de pessoas; medir a todos pelo mesmo metro. Quando se aprova o assassínio de adversários políticos e se ordena o de pessoas de outra raça, ao mesmo tempo que ato idêntico é punido com as penas mais cruéis e afrontosas se praticado contra correligionários, isso é a negação do direito e da justiça. Quando as leis conscientemente desmentem essa vontade e desejo de justiça, como quando arbitrariamente concedem ou negam a certos homens os direitos naturais da pessoa humana, então carecerão tais leis de qualquer validade, o povo não lhes deverá obediência, e os juristas deverão ser os primeiros a recusar-lhes o caráter de jurídicas.
 
Quarto minuto
 
Certamente, ao lado da justiça o bem comum é também um dos fins do direito. Certamente, a lei, mesmo quando má, conserva ainda um valor: o valor de garantir a segurança do direito perante situações duvidosas. Certamente, a imperfeição humana não consente que sempre e em todos os casos se combinem harmoniosamente nas leis os três valores que todo o direito deve servir: o bem comum, a segurança jurídica e a justiça. Será, muitas vezes, necessário ponderar se a uma lei má, nociva ou injusta, deverá ainda reconhecer-se validade por amor da segurança do direito; ou se, por virtude da sua nocividade ou injustiça, tal validade lhe deverá ser recusada. Mas uma coisa há que deve estar profundamente gravada na consciência do povo de todos os juristas: pode haver leis tais, com um tal grau de injustiça e de nocividade para o bem comum, que toda a validade e até o caráter de jurídicas não poderão jamais deixar de lhes ser negados.
 
Quinto minuto
 
Há também princípios fundamentais de direito que são mais fortes do que todo e qualquer preceito jurídico positivo, de tal modo que toda a lei que os contrarie não poderá deixar de ser privada de validade. Há quem lhes chame direito natural e quem lhes chame direito racional. Sem dúvida, tais princípios acham-se, no seu pormenor, envoltos em graves dúvidas. Contudo o esforço de séculos conseguiu extrair deles um núcleo seguro e fixo, que reuniu nas chamadas declarações dos direitos do homem e do cidadão, e fê-lo com um consentimento de tal modo universal que, com relação a muitos deles, só um sistemático ceticismo poderá ainda levantar quaisquer dúvidas.
 
Gustav Radbruch